SERMÕES SOBRE O ESPIRITISMO

Pregados na catedral de Metz
dias 27, 28 e 29 de maio de 1863

Pelo R. P. Letierce
Da Companhia de Jesus

REFUTADOS POR UM ESPÍRITA DE METZ

Precedidos de
Considerações sobre a loucura espírita

 

OBRA RARA TRADUZIDA

 

Sermons Sur Le Spiritismo

Prêchés à la Cathédrale de Metz, les 27, 28 et 29 mai 1863

Par le R. P. Letierce, de la compagnie de Jésus

Réfutés par un Spirite de Metz

Précédés de considérations sur la folie spirite

Didier et Compagnie, Ledoyen, Paris

Verronais, Metz

(1863)

 

Tradutora do Francês para o Português

Abílio Ferreira Filho

Prefácio da obra:

O livro Sermões sobre o Espiritismo pregados na catedral de Metz refutados por um espírita de Metz, publicado em 1863, pela Didier (de Paris) e Verronais (de Metz), é histórico e assinala bem algumas polêmicas que ocorriam por ocasião do trabalho do Codificador Allan Kardec. Metz é cidade da França próxima à fronteira com Luxemburgo e Alemanha.

O Codificador viveu no Século XIX – época das luzes que provocou grandes descobertas e teorias que modificaram o modo de vida do homem sobre a Terra, sua própria concepção e o papel que ele representa no planeta e no universo. Simultaneamente foi um período de muitas polêmicas e choques na vida política e religiosa da França.

Para situarmos o contexto do ambiente da religião na França, lembramos que após a Revolução Francesa, no período do Terror, Robespierre impôs a religião racionalista e presidiu a cerimônia de introdução de uma bailarina na Catedral de Notre Dame, para caracterizar o estabelecimento do culto da razão.

Poucos anos depois o cônsul Napoleão Bonaparte estabeleceu uma nova relação com a Igreja Católica, tida como oficial até a Revolução, e assinou com o Papa Pio VII a Concordata de 1801, acordo que visava a restauração da Igreja Católica na França pós-revolução. O Catolicismo seria "a religião da grande maioria dos franceses", porém não mais a religião oficial, em respeito ao Protestantismo que se expandia.

Em 1846 Pio IX assume o papado, e exerceu um dos mais longos pontificados da história, até o ano de 1878. Portanto contemporâneo do trabalho do Codificador. Pio IX condenou diversas proposições que contrariavam a visão católica na época. Entre estas, condenava as ideologias do panteísmo, naturalismo, racionalismo, indiferentismo, socialismo, comunismo, maçonaria judaísmo, Igrejas que se apresentavam como cristãs e se propunham a explicar a Bíblia e várias outras formas de liberalismo religioso consideradas incompatíveis com a religião católica. Era tipicamente um conservador.

No seio da própria igreja católica da França surgem inquietações, ou, numa outra ótica, esforços importantes por parte de religiosos como: Félicité Robert de Lamennais (1782-1854), liberal que advogava a separação do Estado da Igreja, a liberdade de consciência, educação e imprensa. Jean-Baptiste-Henri Lacordaire (1802-1861), vigário da Catedral de Notre Dame, que escrevia claramente sobre “o mundo dos corpos e o mundo dos espíritos” e defendia que a “união da liberdade e do Cristianismo seria a única possibilidade de salvação do futuro”, escreveu à Sra. Svetchine, em 20 de junho de 1853, a propósito das mesas girantes:

“Também, mediante essa divulgação, Deus quer talvez proporcionar o desenvolvimento das forças espirituais ao desenvolvimento das forças materiais, a fim de que o homem não esqueça, ante as maravilhas da mecânica, que há dois mundos contidos um no outro, o mundo dos corpos e o mundo dos Espíritos.” Evidentemente que Lamennais e Lacordaire foram punidos pelo Vaticano.

Várias polêmicas se disseminavam no seio da igreja católica francesa. Motivado por discordâncias sobre o dogma da imaculada Conceição e sobre celibatarismo, o padre Jean-Louis Verger assassinou o arcebispo de Paris Marie Auguste Dominique Sibour, em janeiro de 1857.

Aos 9 de outubro de 1861, aconteceu o famoso “auto de fé”, em Barcelona (Espanha), quando foram queimados em praça pública centenas de obras de autoria de Allan Kardec.

Esse foi o contexto vivido por Allan Kardec por ocasião da redação das Obras Básicas do Espiritismo.

Com o título de Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo Alan Kardec lançou em Paris em abril de 1864, o livro que interpreta o ensino moral do Cristo. Um mês depois esta foi incluída no Index librorum prohibitorum, a lista de publicações proibidas pela Igreja Católica. Este título foi alterado na segunda edição para O Evangelho segundo o Espiritismo.

Pelo cenário sintetizado, pode-se entender a preocupação do padre R.P. Letierce, em proferir sermões na cidade de Metz, combatendo o Espiritismo. Ele se inseria dentro do contexto católico predominante da época.

Por outro lado, o “espírita de Metz” elaborou argumentação firme e coerente com a Doutrina Espírita para refutar o padre Letierce. Para a época, eram preocupações pertinentes para um espírita que convivia com a fase inicial da elaboração e difusão da Doutrina Espírita. As principais questões levantadas pelo pároco de Metz eram: relacionar Espiritismo como causa de loucura; o Espiritismo como maldade; a tibieza dos espíritas; a “influência dos espíritos do inferno”; a não aceitação do dogma da eternidade das penas; ser uma heresia...

Ao mesmo tempo, no seio do próprio catolicismo francês, já surgiam manifestações significativas, de contemporâneos de Kardec. O abade Marauzeau, em carta dirigida a Allan Kardec: "Mostrai ao homem que ele é imortal. Nada vos pode melhor secundar nessa nobre tarefa do que a comprovação dos Espíritos de além-túmulo e suas manifestações. Só com isso vireis em auxílio da religião, empenhando ao seu lado os combates de Deus". O abade Leçanu, em seu livro História de Satanás anotou: "Observando-se as máximas de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, faz-se o bastante para se tomar santo na Terra".

As acusações do pároco ficaram completamente ultrapassadas pelos fatos em seguida à publicação do livro em foco, e destacando apenas produções do século XIX: a própria sequência de outras obras de Kardec, como O evangelho segundo o espiritismo (que contém mensagens de Lamennais e de Lacordaire), O céu e o inferno (que contém manifestações do padre Verger).

A gênese e a riquíssima coleção da Revista Espírita; obras de vários autores e de pesquisadores daquele século: Léon Denis, Alexandre Aksakof, Cesare Lombroso, William Crookes, Oliver Lodge, Charles Richet, William James, Gabriel Delanne, e outros. Ainda no século XIX o médico brasileiro Adolfo Bezerra de Menezes publicou o livro A loucura sob novo prisma.

O livro do “espírita de Metz” tem grande valor histórico e, acima de tudo, registra a coragem de um homem que não temia as pressões e perseguições religiosas e demonstrava profunda fidelidade ao nascente Espiritismo.

São Paulo, novembro de 2017

Antonio Cesar Perri de Carvalho
 

I - Artigo de Allan Kardec:

SERMÕES SOBRE O ESPIRITISMO

Pregados na catedral de Metz, nos dias 27, 28 e 29 de maio de 1863, pelo reverendo padre Letierce, da Companhia de Jesus. Refutados por um espírita de Metz e precedidos de considerações sobre a loucura espírita. (*)

(*) Paris, 1863, Livraria Didier, 35, quai des Augustins; Ledoyen, palais-Royal; Metz, livraria Linden, 1, rue Pierre-Hardie.

Embora não conheçamos pessoalmente o autor deste opúsculo, podemos dizer que é obra de um espírita esclarecido e sincero. Estamos contentes por ver a defesa do Espiritismo tomada por mãos hábeis, que sabem aliar a força do raciocínio à moderação, que é o apanágio da verdadeira força.

Os argumentos dos adversários aí são combatidos com uma lógica à qual não sabemos qual outra poderiam opor, porque só há uma lógica séria, aquela cujas deduções nenhum lugar deixam à réplica, e achamos que a do autor está neste caso.

Sem dúvida, com ou sem razão, sempre se pode replicar, porquanto há criaturas com as quais nunca se diz a última palavra, ainda que se tratasse de lhes provar que há sol ao meio-dia; mas não é destes que se trata de ter razão, pouco importando que estejam ou não convencidos de seu erro.

Também não é a estes que nos dirigimos, mas ao público, juiz em última instância das causas boas ou más. Há no espírito das massas um bom-senso que pode falhar nos indivíduos isolados, mas cujo conjunto é como a resultante das forças intelectuais e do senso comum.

Em nossa opinião, a brochura em questão reúne as vantagens do fundo e da forma, isto é, à justeza do raciocínio alia a correção e a elegância do estilo, que jamais prejudica coisa alguma e torna a leitura de qualquer escrito mais atraente e mais fácil. Não duvidamos que este escrito seja acolhido por todos os espíritas com a simpatia que merece. Nós o recomendamos com toda a confiança e sem restrições. Contribuindo para sua propagação, os espíritas prestarão serviço à causa.

Allan Kardec

Revista Espírita de Setembro de 1863

II - Artigo de Allan Kardec:

SERMÕES SOBRE O ESPIRITISMO

É sempre uma satisfação ver adeptos sérios entrarem na liça quando, à lógica da argumentação, aliam calma e moderação, da qual nunca nos devemos afastar, mesmo contra os que não usam os mesmos processos a nosso respeito.

Cumprimentamos o autor deste opúsculo por ter sabido reunir essas duas qualidades em seu interessante e muito consciencioso trabalho que, não temos dúvida, será acolhido com a atenção que merece.

A carta posta no início da brochura é um testemunho de simpatia que não poderíamos reconhecer melhor do que a transcrevendo textualmente, pois é uma prova da maneira pela qual ele compreende a doutrina, bem como os pensamentos seguintes, que toma por epígrafe:

“Cremos que haja fatos que não sejam visíveis ao olho, nem tangíveis à mão; que nem o microscópio, nem o escalpelo podem alcançar, por mais perfeitos que se os suponham; que igualmente escapem ao gosto, ao olfato e ao ouvido e que, no entanto, são susceptíveis de ser constatados com absoluta certeza (Ch. Jouffroy, prefácio dos Esquisses de philosophie morale, pág. 5).

“Não creiais em qualquer Espírito; experimentai se os Espíritos vêm de Deus.”(Evangelho).

“Senhor e caro mestre,

“Dignai-vos aceitar a dedicatória desta modesta defesa em favor do Espiritismo, deste grito de indignação contra os ataques dirigidos contra nossa sublime moral? Seria para mim o mais seguro testemunho de que estas páginas são ditadas por este espírito de moderação que diariamente admiramos em vossos escritos e que nos deveria guiar em todas as nossas lutas. Aceitai-a como singelo ensaio de um dos vossos recentes adeptos, como profissão de fé de um verdadeiro crente.

Se meus esforços forem felizes, atribuirei o seu sucesso ao vosso elevado patrocínio; se minha voz incompetente não encontrar eco, ao Espiritismo não faltarão outros defensores e terei para mim, com a satisfação da consciência, a felicidade de ter sido aprovado pelo apóstolo imortal de nossa filosofia.”

Extraímos da brochura a passagem seguinte, de um dos sermões do reverendo padre Letierce, a fim de dar uma idéia da força de sua lógica.

“Nada há de chocante para a razão em admitir, num certo limite, a comunicação dos Espíritos dos mortos com os vivos; tal comunicação é perfeitamente compatível com a natureza da alma humana, encontrando-se numerosos exemplos no Evangelho e na Vida dos santos; mas eram santos, eram apóstolos.

Para nós, pobres pecadores que, nos precipícios deslizantes da corrupção, não precisaríamos senão de uma mão socorrista para nos reconduzir ao bem, não é um sacrilégio, um insulto à justiça divina ir pedir aos Espíritos bons, que Deus espalhou à nossa volta, conselhos e preceitos para a nossa instrução moral e filosófica?

Não é uma audácia ímpia pedir ao Criador que nos envie anjos de guarda para que nos lembrem incessantemente a observação de suas leis, a caridade, o amor aos nossos semelhantes e nos ensinar o que devemos fazer, na medida de nossas forças, para chegar o mais rapidamente possível a esse grau de perfeição que eles próprios atingiram?

“Esse apelo que fazemos às almas dos justos, em nome da bondade de Deus, só é ouvido pelas almas dos maus, em nome das potências infernais. Sim, os Espíritos se comunicam conosco, mas são os Espíritos dos condenados; suas comunicações e seus preceitos, é verdade, são semelhantes aos que nos poderiam ditar os mais puros anjos; todos os seus discursos respiram as mais sublimes virtudes, das quais as menores devem ser para nós um ideal de perfeição, que mal podemos atingir nesta vida. Mas é apenas uma armadilha para melhor nos atrair, um mel cobrindo o veneno com o qual o demônio quer matar nossa alma.

“Com efeito, as almas dos mortos, segundo Allan Kardec, são de três classes: as que chegaram ao estado de Espíritos puros, as que estão no caminho da perfeição e as almas dos maus.

Por sua natureza, as primeiras não podem vir ao nosso apelo; seu estado de pureza torna impossível qualquer comunicação com as almas dos homens, encerradas em tão grosseiro envoltório; aliás, que viriam fazer na Terra? pregar exortações que não poderíamos compreender?

As segundas têm muito a trabalhar para o seu aperfeiçoamento moral para perder tempo vindo conversar conosco; ainda não são as que nos assistem em nossas reuniões. O que é, então, que nos resta? Eu o disse, as almas dos condenados, e estas não precisam ser rogadas para vir; sempre dispostas a aproveitar o nosso erro e a nossa necessidade de instrução, dirigem-se em massa junto a nós, para com elas nos arrastar ao abismo onde as mergulhou a justa punição de Deus.”

Allan Kardec

Revista Espírita de Outubro de 1863

Fontes: César Perri - GEECX - Grupo de Estudos Espíritas Chico Xavier

Fontes: Vade Mecum Espírita

"Se o Espiritismo pudesse ser retardado em sua marcha, não o seria pelos ataques abertos de seus inimigos declarados, mas pelo zelo irrefletido dos amigos imprudentes."

Allan Kardec Revista Espírita, junho de 1862 - Ensinos e dissertações espíritas - O Espiritismo filosófico.

"É um fato comprovado que o Espiritismo é mais entravado pelos que o compreendem mal do que pelos que absolutamente não o compreendem, e mesmo por seus inimigos declarados."

Allan Kardec - Revista Espírita, novembro de 1864 - O Espiritismo é uma ciência positiva

"A cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo veio para rasgá-lo de alto a baixo; mas, enquanto espera, conseguisse ele unicamente corrigir num homem um único defeito que fosse e já o haveria ajudado a dar um passo."

Espíritos superiores, Livro dos Espíritos, item 800.

 

RELAÇÃO DE OBRAS PARA DOWNLOAD

 

Sermões sobre o Espiritismo - Refutados por um Espírita de Metz

 

Letierge - Sermons sur le Spiritisme (Réfutés par un spirite de Metz) (1863) (Fr.)