GASTON LUCE

ESPIRITISMO E RENOVAÇÃO

A Conferência foi realizada na Sociedade Vaudonesa de estudos psíquicos em Lausane, em 16 de Outubro de 1936 e, em 17, na Sociedade de Estudos psíquicos de Gênova.

 

Gaston Luce - Spiritisme et Rénovation

Cette conférence a été donnée á la Société vaudoise des études psychiques, à Lausanne, le 16 octobre 1936, et le 17 à la Société d'études psychiques de Genève, sous le titre général: Spiritisme et Rénovation.

 

OBRA RARA TRADUZIDA

 

Tradução: Chrissie Chynde

Revisão da Tradução: Irmãos W. e Ery Lopes

Formatação: Alexandre R. Distefano
 

Distribuição gratuita:

Versão digitalizada:

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Autores Espíritas Clássicos

O Espiritismo e a Ciência:

Quanta dificuldade sinto nesta ocasião em fazer intervir o «eu» sempre detestável, sobretudo em tal questão, entretanto é indispensável que saibam em que autoridade me apoio para falar a vocês. Sou mais uma testemunha que se deu a obrigação de reportar o que tem visto e aprendido e aquilo que sabe do que um autor espírita.

A autoridade sobre a qual me apóio, é mais observação, experiência e meditação pessoal do que um saber livresco. Todas as objeções que fiz a mim mesmo ao longo desses anos de estudos, após o retorno para o além-túmulo de meu bom mestre Léon Denis, a quem fico feliz em dirigir hoje uma homenagem de veneração particular, e todas as objeções que me têm vindo de outrem, caem, uma a uma, diante da realidade dos fatos que se tornaram para mim uma evidência; hoje me dou conta de que o objetivo verdadeiro do Espiritismo não foi ainda suficientemente atingido, malgrado a impulsão tão firme que, desde a origem, lhe havia imprimido seu fundador, as indicações preciosas que nos foram dadas e as hesitações, muito freqüentes, sobre a direção a tomar.

Tenho dito e escrito que o Espiritismo, na França, está na encruzilhada dos caminhos. Mantenho esta afirmação, e assumo a responsabilidade. Sendo o Espiritismo em nossa época o elemento primordial da renovação que se impõe, cabe a nós, Senhores, velar pelo seu desenvolvimento com atenção escrupulosa e a maior vigilância possível.

As religiões e as filosofias nos oferecem um exemplo de tal forma impressionante das alterações e desvios pelos quais o espírito humano lhes tem feito passar nas suas mudanças constantes que, em o sabendo, seríamos imperdoáveis se deixássemos a doutrina espírita à mercê das fantasias ou das preferências de tal ou qual grupo ou personalidade. Se não tememos as inovações, temos entretanto a missão de examiná-las com cuidado extremo logo que se apresentem, sobretudo em uma época de confusão como a nossa, e o critério, em tal exame, será, como sempre, a razão e o bom senso.

Tentemos então, Senhores, definir, com toda a precisão desejável, o que é o Espiritismo. Não acreditemos que isso seja algo já esteja bem definido. Não vemos ainda com clareza suficiente, de onde ele vem, o que é e para onde conduz.

Eu os convido a pesquisar comigo. Uns dizem: é uma ciência; outros: é uma filosofia; outros: é uma crença; outros: é uma religião; e outros ainda: é uma filosofia religiosa. Há verdade em tudo isso, entretanto a significação exata não está nessas fórmulas.

Alguns pesquisadores, e a sua boa fé não está em causa aqui, acreditaram que o Espiritismo devia se identificar com a ciência para se afirmar e que, em conseqüência, o espiritualismo experimental era melhor que qualquer outro para trazer uma solução satisfatória ao problema da existência humana.

O resultado, vocês o constataram, foi um compromisso, e não poderia ser de outro modo, porque o Espiritismo experimental leva naturalmente à metapsíquica. O fato dito sobrenatural, tendo sido registrado, verificado, estudado, de acordo com os métodos em uso nos laboratórios, precisava ser interpretado. O resultado não se fez esperar.

Duas teses se confrontaram em oposição irredutível, dois campos rivais se levantaram um contra o outro, e a disputa ameaça se eternizar entre pesquisadores de idêntica boa fé. É de surpreender? Não, Senhores. Não existe aqui uma solução comum ao problema pela razão muito simples de que a metapsíquica se consagra como uma ciência, e nossa ciência contemporânea, puramente analítica, se quiserem, amoral, é desligada de todo conceito filosófico ou religioso. Vocês podem ver a dificuldade em conciliar as duas ordens de pesquisas: de um lado, a experiência em si mesma, de outro, a consciência; o fenômeno e o númeno?

Que dizem sobre esse assunto nossos sábios atuais? «A ciência, escreveu G. Claude (empresto uma recente pesquisa do Fígaro para vocês darem uma vista), a ciência não tem nada a ver com as coisas da consciência.»

«Limitado à exploração do domínio dos fenômenos naturais, disse por sua vez P. Termier, o espírito científico não tem nada a ver com o sentimento religioso. Ele não se lhe opõe, ignora-o.»

Segundo o Dr. Leconu: «As noções do bem e do mal são completamente estranhas à ciência; onde termina sua atuação começa a da crença».

E. Picard, secretário perpétuo da Academia de Ciências, constata por seu lado «que as concepções com as quais a ciência se edifica apresentam algo de arbitrário, e que parece que há coisas irredutíveis ao conhecimento científico, tais como a moral e a fé».

O mesmo ponto de vista encontramos no Pr. Matignon, do Colégio da França: «A ciência, observa ele, acantonada no estudo da matéria, não pode elaborar a moral que fornece à humanidade suas diretivas. É preciso procurar alhures esses fundamentos.»

Enfim, o eminente físico E. Branly fala no mesmo sentido, assinalando os incríveis perigos que pode engendrar o laboratório com uma ciência orientada, como o é presentemente a nossa.

Assim então, a ciência ignora e quer sistematicamente ignorar os elementos do saber que não são de sua atividade. E, com uma modéstia louvável, ela é unânime em proclamar sua incompetência. Querer nessas condições fazê-la servir, contra seu agrado, a fins para os quais não está nem preparada, nem instrumentada, seria, Senhores, e vocês devem nisso convir, uma inconseqüência ou um desafio impossível de manter.

A metapsíquica é uma ciência como as outras que têm por objetivo o estudo dos fenômenos psíquicos e psicológicos devidos às forças inteligentes pertencentes a outro plano de vida que não o nosso, ou às faculdades do espírito que permanecem desconhecidas. Como tal, seu método é todo objetivo. Esta ciência não pode ser abordada apenas porque assim se quer. Ela demanda conhecimentos extensos e precisos, sobretudo em física, radioeletricidade, medicina, psiquiatria, psicologia, etc. O quer dizer que ninguém se torna metapsiquista sem ter estudos preliminares, e pudemos ver que se trata de estudos muito complexos.

Se o Espiritismo se confundisse realmente com a metapsíquica, se fosse verdadeiramente uma ciência como as outras, convenhamos, os espíritas seriam muito raros.

Mas o Espiritismo não é uma ciência como as outras, difere radicalmente. A ciência espiritual não é a ciência material; a ciência de observação não é a ciência experimental; a ciência pura não é a ciência aplicada. Ora, se quisermos aparentar o Espiritismo a uma ciência, o que por si mesmo se impõe pois que é também um elemento do saber, seria à ciência espiritual, ao conhecimento, mais que à ciência material, que deveríamos uni-lo. A quem serviria, pergunto, invocar aqui a Ciência, uma ciência que ainda não existe e não poderia existir com as concepções reinantes? Cabe ao sábio se elevar até a síntese filosófica; à ciência que ele professa, não cabe fazê-lo.

Entretanto, objetarão vocês, certos fatos de ordem material, que dependem inegavelmente do Espiritismo, se encaixam bem sob o escopo da ciência experimental. Eu responderia: esses fatos não são da mesma ordem daqueles que, de ordinário, a ciência registra: são fatos sobrenaturais que não obedecem às forças naturais, mas à ação de inteligências pertencentes a outro mundo e não ao nosso.

E é por isso que aqui a tarefa do sábio se complica. Ele fica desconcertado, ou se desvia finalmente dessas pesquisas, ou ainda se atira a. fazer hipóteses. Mas vocês, espíritas, se não interpretarem esses fatos no sentido espiritual, se tornarão prisioneiros da ciência material, permanecendo na metapsíquica, de onde não poderão sair. Compreendo a preocupação que tem todo pesquisador sincero em escapar à ilusão mantendo-se em terreno firme.

Essa é uma preocupação muito legítima que todo amigo da verdade deve partilhar. Vocês buscam a ciência, a disciplina e a ordem das idéias? Muito bem, fiquem tranqüilos! Agindo assim, seguem «o método simples e luminoso da obediência ao real. Ora, contentar-se com o real, é manter-se sempre científico e isso, ao mesmo tempo, é abrir desde já vastos horizontes, suscetíveis de orientar vidas inteiras e de maneira definitiva». (René Kopp)

Todo homem de bom senso pode então se manter científico no domínio espírita, simplesmente mantendo seu pensamento nos fatos objetivos. Ora, aqui, Senhores, repito, não estamos mais no laboratório, porque o fato é inseparável do ensinamento que a ele está ligado. A mesa bate os golpes, mas é para dizer alguma coisa; a mesa ouija gira com idêntico propósito; uma luz se mostra, uma flor é trazida sem intermediário visível, com uma intenção precisa.

Querer resumir isso com uma só palavra de nada adianta, a menos para os que se colocam antolhos. É impossível separar o fato em si de sua expressão inteligente, de sua significação espiritual. Não se poderia, sem arbitrariedade, dissociar essas duas operações: a experimentação e a explicação e transparece nitidamente que o espírita pode ficar assim tão objetivo e científico quanto o mais eminente metapsiquista. Convenhamos, todavia, que na atual acepção da palavra ciência, a experimentação rigorosa, repito, leva à metapsíquica e não ao Espiritismo.

E é por isso que o Professor Richet, o eminente protagonista desta ciência, tanto como o atual diretor do Instituto de Metapsíquica, o doutor Osty, que contam portanto, um e outro, com uma gama muita extensa de fatos espíritas, permanecem irredutivelmente em oposição à nossa doutrina; é por isso que veremos sempre a ciência oficial, a Universidade, aborrecer-se com nossos trabalhos.

Li uma obra recente definindo o método do Espiritismo científico dizendo que antes de abordar a pesquisa do fato, era preciso, de maneira geral, ter também, tão perfeitamente quanto possível, um ambiente moral elevado, com harmonia dos pensamentos e o desejo de se instruir. E em enxergo figura esta frase de Léon Denis: «A experimentação, naquilo que tem de grandiosa, a comunicação com o mundo invisível, não se faz com sucesso pelo mais sábio, mas sim pelo mais digno, ou melhor, por aquele que tem mais paciência, consciência e moralidade.»

Isso quer dizer apenas, Senhores, que o Espiritismo, mesmo quando quer ser científico, o que em si é uma intenção louvável, é, repito, uma ética, um processo de consciência antes de tudo, porque se trata, primeiramente, do Espírito que não poderia ficar submisso às exigências do método experimental. De duas uma: ou vocês experimentam com o rigor obrigatório, e ficam na metapsíquica, ou aceitam o magistério espiritual, e não verão na experimentação senão um meio de controle dos fenômenos sobrenaturais.

De qualquer forma que a questão seja vista, parece efetivamente, «que há coisas irredutíveis ao conhecimento científico, tais como a moral e a fé». Esta frase vale a pena ser retida, e é por isso que a recordo, porque esclarece toda a questão. Essas coisas irredutíveis ao conhecimento científico, do ponto de vista onde nos colocamos, são justamente aquelas que mais nos importam. Um psicólogo eminente, Th. Ribot, disse que o sentimento é o que há de mais forte em nós.

Quem já não fez esta constatação?

Quando os grandes eventos de nossa existência nos trazem seja a alegria, seja o abatimento, nesses momentos em que a felicidade nos completa, ou quando tudo nos falta e que o terreno se oculta sob nossos passos, nosso saber, nosso grau de cultura, nossa bagagem intelectual quase nada importam. Vivemos dobrados sobre nós mesmos, vivemos na profundeza, enquanto que em torno de nós, o mundo prossegue seu curso habitual.

Compreendemos então que há coisas estranhas ao intelecto e que nos são absolutamente necessárias, que interessam a um domínio todo outro, que é o domínio espiritual, onde o coração tem sua parte, onde o sentimento domina, e com o sentimento, faculdades de uma sutileza insólita. Da intelectualidade procedem os sistemas contraditórios, da espiritualidade decorre uma tradição invariável cuja origem mergulha no passado multimilenar. Ela nos tem sido transmitida, no Ocidente, pelo druidismo, o pitagorismo e o platonismo; encontra-se nas principais religiões, notadamente o cristianismo; e o Espiritismo, por sua vez, vem esposar seus dados essenciais.

Ele ocupa então uma posição das mais fortes. Sua originalidade reside simplesmente no seu método de pesquisa. Ele recolhe os fatos, os estuda, os registra sem prioridade, seja científica, filosófica ou religiosa. Não estabelece nenhuma demarcação arbitrária entre esses fatos; quer sejam de ordem material ou intelectual, discerne em sua origem uma causa idêntica; refere-se ao método experimental, mas recusa toda limitação, porque antes de qualquer coisa, dá crédito aos Espíritos, que em tudo nos ultrapassam. Enfim, examina com cuidado todo especial os fenômenos que acompanham a inspiração e a comunhão espiritual (que era chamada carisma no tempo de São Paulo), porque a linguagem, vocês o sabem, sob os influxos vindos do mundo invisível, se reveste de um caráter sagrado.

Em todas as épocas, os homens têm feito esta observação. O profetismo tem sido sempre objeto de um respeito particular, porque foi o elemento civilizador por excelência, o revelador e o guardião dos valores morais.

Ora, todo profeta, todo inspirado é um médium, e todo médium deve tender para a alta inspiração, filha da Luz, por quem nos chegam as verdades que são o alimento de nossa alma.

Qualquer que seja então a forma como se veja o Espiritismo, nitidamente transparece que o fenômeno é apenas um ponto de partida, uma isca colocada sobre o caminho dessas verdades, que são verdadeiramente nosso pão da vida.

Fontes: Le Centre Spirite Lyonnais Allan Kardec

Fontes: Encyclopédie Spirite

A verdadeira doutrina espírita está no ensinamento dado pelos Espíritos.

Allan Kardec

O ideal que proclamam as vozes do mundo invisível não é diferente daquele do fundador do cristianismo.

Léon Denis



Os Evangelhos: mensagem eterna cuja letra deformada não exclui a linguagem do Espírito perfeito.

H. Petit-Rivaud



O Espiritismo será cristão ou nada será.

René Kopp



O estandarte do Cristo é chamado a dominar o mundo.

Espírito Jeanne-d’Arc
 

RELAÇÃO DE OBRAS PARA DOWNLOAD

 

Gaston Luce - Espiritismo e Renovação (Obra rara traduzida)

 

Gaston Luce - Spiritisme et Rénovation (1937) (Fr.)

 

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